A Igreja Batista da Lagoinha em Alphaville alugou o Allianz Parque, em São Paulo, para um festival de música gospel no Réveillon, o “Vira Brasil 2025”. Com ingressos que chegam a custar R$ 3.500 na categoria VIP, a expectativa é que 40 mil pessoas lotem o estádio do Palmeiras.
O evento de grandes proporções — que promete ser a “maior Virada cristã do Brasil” — começa às 17h de 31 de dezembro. Segundo o pastor André Fernandes, líder do ministério, ônibus vão transportar os fiéis da igreja de Alphaville, localizada em um dos bairros mais caros da Grande São Paulo, até o estádio, para quem pagar pelo serviço.
No site, o ingresso mais barato disponível custa R$ 75 para arquibancada superior, sendo meia entrada.
Tiffany Hudson, Alpha Music, Ana Nóbrega, Isaías Saad, Eli Soares, FHOP, Victor Hugo, Ronny Oliveira, Sued Silva, Banda Morada, Fernandinho, Richard Gordon, Camila Vieira e Paulo Vieira são algumas das atrações nacionais e estrangeiras do festival.
“Uma noite que será um marco, com milhares de vozes se levantando em um só clamor. Essa Virada não é só uma data no calendário, é o início de algo grandioso e sobrenatural que Deus tem para realizar”, descreve a igreja em sua conta oficial no Instagram.
Origem da igreja
Fundada em 1957, a Igreja Batista da Lagoinha nasceu em Belo Horizonte (MG), liderada pelo pastor Márcio Roberto Vieira Valadão, e se tornou uma das igrejas evangélicas mais influentes do país. Os cultos são famosos pelas superproduções.
A expansão fez com que a igreja se consolidasse como uma marca, a Lagoinha Global, que conta com mais de 600 unidades no Brasil e no mundo, especialmente nos Estados Unidos. Atualmente, a instituição religiosa é presidida pelo pastor conservador André Valadão, filho de Márcio. Ele também é líder da unidade em Orlando.
Durante os eventos da igreja, é comum a adoção de termos em inglês, como “this is legacy” (este é o legado), “kids” (crianças) e “conference” (conferência), para atrair o público, especialmente de classes mais altas.
Para a comemoração do Dia das Crianças neste ano, até o Mickey, um dos símbolos norte-americanos, foi convidado como atração na Lagoinha em Alphaville. O terreno da unidade tem 115 mil metros quadrados, podendo receber cerca de 50 mil fiéis.
Críticas
Teólogos ouvidos pelo g1 enxergam com preocupação esse tipo de evento e avaliam que a espiritualidade foi transformada em um produto, perdendo a mensagem inicial do Evangelho.
O pastor e escritor Ricardo Gondim, presidente da Igreja Betesda, explica que o culto é um momento de comunhão. Contudo, ocorrências como o festival gospel promovem um ambiente excludente em razão do valor dos ingressos, observa.
“Esses shows gospel são um evento pelo evento. Não têm o objetivo de Deus. Claro que vai produzir uma catarse coletiva, um efeito de manipulação de massas. O mundo evangélico brasileiro é muito emocional, muito emotivo, mas o objetivo em si é o evento em si. E o evento em si é levantar dinheiro para viabilizar outros eventos iguais a ele. Virou o lucro pelo lucro”, afirma Gondim.
O presidente da Betesda também pontua que a multiplicação de igrejas evangélicas no Brasil inspiradas nas norte-americanas é um fenômeno relativamente recente, oriundo do “complexo de vira-lata”. Para o pastor, a cultura dos Estados Unidos é uma referência para os brasileiros que tem se estendido inclusive para o campo religioso.
“A questão inicial se perdeu no processo. Para mim, essas igrejas evangélicas, que usam esses nomes ‘churchs’ [‘igreja’, em inglês], estão usando esses nomes por razão meramente mercadológica, porque é uma questão de copiar as megaigrejas americanas que, entre grandes aspas, estão dando certo, são igrejas de sucesso nos Estados Unidos. Tem uma megachurch, a Lakeland Church, nos EUA, que chegou a comprar um estádio de ginásio da NBA [Liga Nacional de Basquete]”, diz Gondim.
Os cultos em formato de megashows e a incorporação de expressões em inglês aos discursos não são exclusivos das igrejas da família Valadão. Em Balneário Camboriú (SC), por exemplo, a Reino Church virou alvo de críticas pela aparência de “igreja para ricos” e por atrair muitos jovens da high society local, que compartilham a rotina nas redes sociais.
Para o professor e pastor André Aneas, doutor e mestre em teologia pela PUC-SP, o comportamento dessas igrejas é “uma evolução da teologia da prosperidade”. Essa doutrina neopentecostal prega que o sucesso e a abundância material podem ser alcançados por meio da fé e de contribuições financeiras à igreja.
“Historicamente, essas igrejas, que foram conhecidas como neopentecostais, foram meio que cooptadas pelo mercado neoliberal. Ao longo do tempo, esse processo foi se intensificando e se sofisticando. Então, quando você chega a uma Lagoinha, você está num momento de ápice desse processo em que tudo ali é orquestrado com interesses mercadológicos”, explica Aneas.
Segundo Aneas, a espiritualidade foi transformada em um produto que vende autoestima e senso de pertencimento aos fiéis que reúnem nessas megaigrejas.
“O ensino de Jesus é em si sempre contracultural. Então, ele se propõe sempre a ser uma voz crítica, seja dos religiosos, seja do Império Romano, seja de quem for. Nesse caso, você não tem uma voz crítica ao liberalismo, ao sistema capitalista, à sociedade de mercado. Pelo contrário, é uma religião que está operando dentro de um sistema econômico.”
Procurada pelo g1, a Lagoinha de Alphaville não retornou até a última atualização da reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.
Fonte: G1