Se existe um domínio natural que pode ser considerado resiliente, o Pantanal sem dúvida se destaca. O bioma se mostra resistente às intempéries, sejam elas quais forem. O que muita gente não sabe é que essa paisagem, tão conhecida e simbólica para nosso país, possui, em algumas áreas, mais da metade da vegetação de única espécie. São as chamadas formações monodominantes.
“No caso do Pantanal, tem muitas áreas que são bastante inundáveis, áreas que pegam fogo com frequência e áreas que têm as duas condições, inundação e fogo”, explica Geraldo Alves Damasceno Junior, professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
De acordo com ele, as espécies que compõem as formações monodominantes possuem adaptações que possibilitam seu desenvolvimento em áreas desfavoráveis ao crescimento de outras. Algumas presentes no bioma são:
- Paratudal: formação savânica alagável com estrato arbóreo composto quase que exclusivamente por paratudo (Tabebuia aurea);
- Carandazal: formação homogênea densa com dominância da palmeira carandá (Copernicia alba);
- Cambarazal: dominado pelo cambará (Vochysia divergens), uma árvore que forma densas florestas e suporta o alagamento sazonal;
- Canjiqueiral: formação homogênea esparsa de áreas arenosas, com predomínio de canjiqueira (Byrsonima cydoniifolia);
- Pirizal/Caetezal: áreas de alto grau de inundação com dominância de pirizeiro (Cyperus giganteus) e caeté (Thalia geniculata);
- Buritizal: formação composta quase que unicamente pela palmeira buriti (Mauritia flexuosa).
“Você pode encontrar essas formações em outros lugares. Por exemplo, na restinga você tem o caixetal, formação monodominante de Tabebuia cassinoides. Em áreas temperadas, tem lugares que ocorrem só uma espécie de pinheiro. Até na Amazônia tem áreas com formações monodominantes. Mas no Pantanal, há uma riqueza muito grande de espécies monodominantes”, completa Geraldo.
Segundo ele, existem aproximadamente 27 espécies de plantas monodominantes no Pantanal, que podem ser encontradas em situações diversas dentro do bioma.
O paratudo, por exemplo é o ipê-amarelo, que recebe essa classificação (paratudo) na região do Pantanal porque a casca da árvore é utilizada como remédio para tosse, diarreia, febre e outros males – significa literalmente “para todos os males”.
Riqueza da biodiversidade
O especialista explica que o fato de uma única espécie prevalecer não prejudica a riqueza da biodiversidade. Elas são apenas características provenientes das condições específicas do ambiente, que favorecem que uma espécie domine em relação a todas as outras.
“A espécie, por exemplo, pode ter uma associação com um fungo que oferece uma vantagem em relação a outras espécies. No caso do Pantanal, há espécies que toleram bastante inundação, outras são bastante tolerantes ao fogo e algumas toleram inundação e fogo”, diz.
“Mas isso não vai prejudicar a biodiversidade, porque é uma característica local. Faz parte da biodiversidade ter espécies que têm capacidade de se tornar monodominantes”.
Dados da ONG SOS Pantanal mostram que, no bioma todo, existem pelo menos 4,7 mil espécies – sendo 2,5 mil espécies de plantas, 650 de aves, 124 de mamíferos, 80 de répteis, 60 de anfíbios e 260 espécies de peixes de água doce.
Nesse cenário, diversos animais ocorrem nas “florestas de uma espécie só”, sem ter necessariamente uma adaptação específica para viver nelas. Além disso, nem sempre todas as plantas da área vão ser da mesma espécie – em algumas formações enquanto o extrato arbóreo é monodominante, o extrato herbáceo continua diversificado.
Apesar da resiliência das plantas do Pantanal, as mudanças climáticas podem ameaçar sua dominância e até sua sobrevivência. “São formações que são características de condições muito específicas, então se a espécie ocorre em uma determinada faixa de temperatura e essa temperatura muda, ela já não tem as condições favoráveis para se tornar monodominante”, finaliza o especialista.
Fonte: G1